Diário da quase morte.
Fragmento de meus diários, selecionado após uma experiência, no mínimo, assustadora.
Dia 29/12/2023, 23:39 pm;
Dia 3: Um dia diferente. Definitivamente.
Hoje, acordei por volta do meio dia. Estava na cama do quarto de hóspedes. Não sei o motivo da troca de quarto na madrugada, mas ao acordar, tomei um banho, e almocei. Ao checar o celular, notei mensagem da minha tia: convite à praia após o almoço. Neguei. Ao mesmo instante ela bate na porta e reafirma o convite, pessoalmente, dessa vez, num tom de persuasão. Aceito.
Troco de roupa, e saímos, eu, minha tia, meu primo, minha avó, e meu tio. Não levei celular, afinal, não há ninguém com quem eu possa querer falar. Ainda é estranho não ter Olivetti na rotina. Hoje é o 5º dia sem contato. A saudade dói.
[…]
O dia passa, entro nas águas do mar algumas vezes. O choque térmico entre meu corpo e as gélidas correntes do atlântico é revigorante. Tiro um cochilo na areia, e então torno a observar o horizonte.
Por volta das 17:30h, percebo o sol se alaranjar, e então dar início ao crepúsculo. O brilho dourado do astro rei reflete sobre as águas do mar, provocando uma enxurrada de ouro. Não há lugar como o Rio de Janeiro.
No mastro enfincado na areia, duas bandeiras vermelhas alertavam sobre o grau de periculosidade do mar. Perigo em dose dupla, elas diziam. Ainda assim as ignoro, e entro no esplendor dourado, e brinco nas ondas como uma inocente criança, maravilhada pelo poder e beleza delas. E como eram grandes, as ondas.
Aos poucos, a força do mar bravo me levava mais fundo, até que, súbitamente, noto que meus pés não alcançam mais o fundo. Nesse momento, noto que não consigo mais voltar para a areia. Nado com todas as minhas forças, mas o mar é implacável. começo a acenar para meu primo. O chamo com a mão, aceno, para alertar minha situação. Noto que meu chamado surtiu efeito, pessoas se levantaram e me observavam com preocupação genuína. Cada segundo parecia mortal. Meu corpo, mineiro por usucapião, quase nada afoito com as atividades de nado, estava ali à deriva, sendo afogado por ondas salgadas que me levavam para cada vez mais longe. As pessoas, aos poucos, tornavam-se menores, e eu me sentia fadado ao afogamento. Não havia salva-vidas naquela parte da praia.
Nesse momento, então me vi sozinho como jamais estive. Separado por dezenas de metros das pessoas mais próximas, cercado por substância gélida, salina, agitada e imprópria para consumo, flutuando a metros do solo. Nesse momento estive só.
Quando finalmente recobrei o controle sobre a real situação, meu primeiro pensamento foi objetivo: me afogar propositalmente, conquistando um suicídio mascarado de acidente. Foi tentador.
Frente à potencial morte, me coloquei a repensar, então, minha vida, e desisti da ideia. Não posso morrer sem viver uma vida ao lado de Dindi, e o oceano, ainda que somado de suas correntes, não é mais forte que meu amor. Evidentemente, tudo isso em segundos, que pareciam eternidades, nos quais eu não parava de nadar. A partir disso, minha postura mudou.
Passei então a gritar por ajuda, desesperadamente, mas só da garganta-pra-cima, e abaixo, mantendo a calma do nado, pois sabia que a fadiga muscular era minha grande inimiga. Gritava por ajuda, balançava as mãos, enchia os pulmões de ar, e o medo cresceu. De repente, ouço uma voz gritando. Não me lembro do conteúdo, mas rapidamente grito de volta, e busco incessantemente a origem. Após alguns segundos avisto dois homens nadando em minha direção. Eram minha salvação. Continuei gritando para que os homens pudessem me encontrar apesar do chacoalhar das ondas, e finalmente fui agarrado por um deles, que me instruiu a me acalmar e apenas segurar nele. Estava salvo, restava tornar à areia.
Os homens, de porte atlético e notória experiência, me levaram até a areia, onde então chegavam os salva vidas. Os homens eram apenas banhistas adidos de muito conhecimento de mar. Se não fosse por eles, talvez eu não tivesse aguentado esperar o resgate oficial.
Finalmente em terra firme, reencontro aqueles que sofreram com minha sina. A pior, sem dúvidas, era minha avó, que chorava copiosamente. A acalmei, bebi água doce, e enfim descansei as pernas.
A experiência de quase morte foi bastante reveladora, mas nada que eu já não imaginasse. Ali, entendi quase perfeitamente um poema que gosto muito: A Vista Do Meio Pra Baixo. Fala sobre um homem que só reconhece a grandeza da vida ao alcançar a metade da ponte da qual ele acabara de saltar. Ele diz que faria de tudo para tocar o chão. Eu também pensei assim enquanto tentava nadar.
Não poderia morrer sem dar o último beijo em Dindi, nem poderia dar aos meus avós e tios o desgosto de aguardar que os bombeiros encontrassem o corpo morto do familiar. Não seria justo comigo, que de fato acredito numa melhora. A luta para não morrer foi uma boa corroboração para minha tese de melhora do quadro psiquiátrico.
Em casa, um prato de comida e uma caneca de chá de erva cidreira completaram a noite. A sensação da água salgada adentrando minhas narinas e garganta ainda me assombra, talvez seja um trauma para as futuras idas à praia. Quem sabe. Estou vivo, e espero não me arrepender pela decisão tomada em alto mar.
NOTA DE RODAPÉ: O TEXTO FOI RETIRADO DOS DIÁRIOS PSIQUIÁTRICOS DO AUTOR, TENDO SIDO DESCRITOS NA OCASIÃO DOS FATOS. OS TEXTOS NÃO PASSARAM POR REVISÃO, TAMPOUCO ADAPTADOS AOS LIRISMO QUE ME É TRADICIONAL. APÓS AMARGAR NOS RASCUNHOS POR MAIS DE ANO, LANÇO, ENTÃO, A ANEDOTA.